Vendo sonhar em Palomas expressa uma poesia que se quer verdadeira. Como assim? Tão verdadeira quanto a verdade que anda pelas ruas. Há muitas formas de fazer poesia e todas podem ser encantatórias. A poesia de “descobrimento”, ou “desencobrimento”, revela um velho projeto do autor: criar imagens que façam emergir sentidos encobertos das coisas do cotidiano. O que há de verdade nisso? Quase tudo. Quase? Tudo? Quase na medida em que o tudo exige uma metafísica poética talvez inalcançável aos mortais. A verdade do cotidiano está na sua polissemia. Camada por camada.
Nem a grandiloquência dos oradores, nem o constrangimento dos sussurros. Uma poesia que se dá a ver como uma mitologia do cotidiano, simples e intrincada como são as cruezas do dia a dia. É de sentido que se fala, no amor, na vida, nos afazeres, na reflexão sobre a morte. Sentidos das palavras, das formulações, das próprias imagens, das cadências e rimas. Poesia tão livre que não cabe num modelo ou numa expectativa. Sem qualquer «angústia de influência» nem influência sobre a angústia que se derrama. Poesia como casa comum nos invernos e espaço aberto das inquietações.
Poesia de vida, de trajetória, de lembranças, de balanços e redes, de caminhadas e perdições, de imagens sobre imagens, num imaginário que escorre como uma existência que passa com seus atropelos, promessas e aguaceiros. Poesia de lembranças e de imaginações, de passado e de futuros artificiais, tão artificiais quanto a natureza depois da devastação humana. Poesia de revelações, desvelamentos, emergências, incontinências, provocações, contra os dogmas, as crenças poéticas, o bom gosto do poeta premiado, o bloco de notas do celular do crítico do site especializado. Poesia desenganada. Daí a sua imortalidade.